Eu sou a favor da exploração do trabalho infantil por gente honesta!

Chega da hipocrisia burguesa de que criança tem de brincar, correr livre feito bicho, alienada do contexto social. Chega de fingir que a criança só é feliz quando entra no esquema de consumo que favorece aos Brinquedos da Estrela. Chega de sair por aí falando que são monstros aqueles que colocam as crianças no trabalho.

Abram seus olhos e vejam a realidade social. Não imponham regras que servem, mal e mal, para suas próprias casas de condomínio. Há crianças cuja realidade não inclui piscinas, pomadinhas de proteção solar nem touquinhas para banho. Não inclui sequer alimento, felicidade, fantasia.

O que acontece com as crianças que vivem em lares carentes e não podem trabalhar em locais honestos? Vão viver de vender balinhas em sinais, ou vão viver de pequenos furtos. Ou não vão viver. É muito fácil chegar para uma criança que não tem escola digna por incompetência dos governantes e oferecer-lhe dinheiro para fazer coisas. E elas fazem, senhores, ô se fazem!

Se às crianças fosse oferecido trabalho digno, aprendizado profissional, elas viveriam de modo diferente do de filhinhos da classe média alta, mas viveriam inseridos na sociedade, e não à mercê da sorte. Dêem às crianças dignidade, a dignidade que está em aprender um ofício tanto quanto em aprender a ler, escrever, ou navegar na internet. Mas, coloquem crianças que não têm nem televisão em casa em contato com uma realidade falsa, que só durará os anos em que ela estiver sob a tutela do Estado incompetente, e vocês estarão fabricando ladrões, gente excluída, gente marginalizada no futuro.

Para o poder público hipócrita e seus tecnocratas alienados, e para muitos formadores de opinião comprometidos com o sistema do quanto-pior-melhor, inclusão social é misturar bandido e não-bandido, inclusão digital é colocar computador em escola que não tem professor, ter infância é ficar três horas na escola e o resto do dia na rua, sem fazer nada.

Se o seu filho tem condições de ficar 6 horas numa escola paga, depois faz curso de violão, guitarra, faz inglês e espanhol, pratica judô, natação e ginástica, depois ainda sai para a balada com os amigos, minha senhora, não imagine que é isso que a senhora está apoiando quando nega ao filho de outra pessoa trabalhar. Quem ganha salário mínimo e não tem nem educação pra tomar preservativo, nem dinheiro para comprar a pílula ou camisinha, nem sequer princípios uma formação social que permita optar corretamente entre a pinga e o pãozinho, não coloca filho em colégio particular, nem no judô, na capoeira, nem no inglês. Se não puder pôr no trabalho, dá um jeito de deixar na rua e a criança que se vire.

É isso que você apóia sendo radicalmente contrário ao trabalho infantil. É esse o trabalho que você ajuda a fazer, deixa ser feito, ficando aí no bando dos omissos, calado.

Se você tem um pouco de consciência, observe, reflita, ponha a boca no mundo e tente mudar essa história. Antes que seja tarde para mais gente...

Ninguém aqui está querendo que crianças sejam escravas (releia o título: eu sou a favor da exploração do trabalho infantil por gente honesta). O que se quer é que as crianças sejam realmente incluídas no contexto social e que sejam agentes modificadores da sociedade.

Liberte uma criança das mãos de um marginal: ofereça um trabalho digno a ela. Não dê esmolas: ensine uma profissão. Se você não fizer a sua parte, o traficante a fará, mas o Governo, não.

Cláudio Rodrigues Rúbio
claudio@circulando.com

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©Copyright   Esse texto foi publicado pelo Cláudio Rodrigues em seu blog, no dia 24 de agosto de 2002. Achei um texto muito interessante, incômodo mesmo, que diz muitas verdades polêmicas. Só não concordo com a sugestão de que o trabalho infantil seja uma solução. Uma discussão sobre isso rolou aqui.

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