Quem é xiita?

Começa agora o segundo turno. Lula tem, mais do que nunca antes, a chance de ser o presidente do Brasil. Em conta simplista faltam pouco menos que 4% dos votos válidos. E de novo, como toda vez que o candidato Luís Inácio concorre ao cargo mais importante do país, começam, na televisão, nos jornais e mesmo entre alguns eleitores de várias classes – os de classe média são, talvez, os mais notados -, as frases: "e os xiitas do PT?" ou "como Lula vai controlar os mais extremados do partido?" ou ainda "esse povo é rançoso, balança bandeira na rua, grita e se comporta como fanático".

Esse discurso, além de repetitivo, é mentiroso no seu cerne. O ponto central da discussão sempre é desvirtuado: se há ou houve radicalismos no Brasil, se foram causados danos à sociedade por partidos ou visões políticas extremadas, os males, por assim dizer, vieram da direita, da nossa, às vezes extrema direita. A esquerda brasileira não é a culpada por exageros ou xiitismos.

Talvez os exemplos esquerdistas mais exagerados venham da Intentona Comunista de Prestes, que não passou de intenção e das atuais investidas do MST. Mas, é bom lembrar que o Movimento dos Sem Terra é legítimo, sua luta também. E não se pode imputar a ações de cunho reivindicatório a marca do fundamentalismo, principalmente se tanto tempo se levou para olhar pelos marginalizados do campo e se a própria sociedade, na constituição de sua ordem, os manteve deseducados, desempregados e abandonados.

Afora esses dois exemplos e alguns outros – como as frentes de defesa popular que se formaram contra regimes de exceção – que pingam da boca dos defensores ferrenhos dessa perversa organização, não há registros sérios e dignos de nota de xiitismo de esquerda no país. O que há é muita intolerância e atos extremos cometidos pela direita. De massacres à população civil e desarmada até atos políticos extremados de extensão extremamente maléfica para o povo.

E não de hoje a direta é extremada. Se lembrarmos da recém formada República, longo vem à mente o massacre de Canudos. Um terrorismo institucional contra camponeses, perpetrado de forma covarde e que, pelo que consta, não se preocupou nem em pagar aos braços armados do governo responsáveis pelo genocídio: os soldados republicanos precisaram fazer greve em morros cariocas para tentar receber seus soldos. Além de covarde, o terror contra os fiéis de Conselheiro foi intimidador. Quis mostrar o que acontece a quem desafia, com alternativas concretas, o poder da direita.

Mas não parou por aí. Os trinta primeiros anos de República foram uma série de transgressões à legalidade. Não se via Congresso aberto. Em tempo: um Congresso que nem tinha esquerda de fato. Esse processo culminou com o Golpe de 30, de Vargas, o representante da direita também, da extrema direita que por pouco não se aliou a Hittler. Não se faz necessário comentar o terrorismo que o ditador Vargas e seu aparelho de Estado comandou contra o povo. No rastro nacionalista do "pai dos pobres"(sic), veio a Ditadura Militar e aí os xiitas de verde mostraram de verdade qual era o risco para o Brasil. Chegaram a utilizar táticas de terroristas como bombas e assassinatos de jornalista (como o que ocorreu agora no Paquistão).

Se viermos para a história recente, os exemplos são também enormes. Candelária, Eldorado dos Carajás (observe-se que as vítimas são os integrantes do MST, os eternos acusados de fundamentalismo), Carandiru, os grupos de extermínio das mais variadas polícias são exemplos vivos de terror contra a população e partem da direita. Dos coronéis nordestinos, dos oligarcas do sudeste.

Isso para falar do terrorismo e extremismo físico. Se discutirmos as idéias propostas pela direita brasileira, a história fica muito mais complicada. Foi a direita que instituiu, por exemplo, este modelo concentrador que mata e oprime gente no país todo, em todas as cidades sem exceções. Foi a direita bonitinha de Collor que confiscou dinheiro das poupanças e aderiu ao neoliberalismo da forma mais louca e suicida que se pode imaginar. Foi a direita que privatizou, que vendeu o país, que endividou a nação, que quebrou micro e pequenas empresas nacionais. A figura de Marco Maciel é ímpar para atestar isso: ele está na direita, na situação desde Geisel.

Ora se devemos ter medo de atos terroristas que temamos os partidos que se mantém no poder há décadas. Se precisamos agir para que terroristas não cheguem ao poder o alvo de nosso temor não é a esquerda, muito menos o PT. Se há bicho-papão, ele não tem estrela no peito, tem ouro nos cofres de casa. De bancos em paraísos fiscais. Os xiitas estão aí onde sempre estiveram: na nossa cara.


Márcio André Andrade
Jornalista e professor de redação
donalitinha@hotmail.com




©Copyright   Recebi esse texto por e-mail, no dia 11/10/2002. Quem me enviou foi a Inaê, dizendo que o autor é amigo dela.

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