Que futuro traz esta Lua?
Revista Veja, 30 de julho 1969

Os cientistas falam em uma nova era.
Os astronautas voltam e encontram a mesma Terra com suas contradições.
A seguir, as informações e inquietações deste futuro.

E os exploradores voltaram do novo mundo, cansados, sorridentes, felizes. Encontraram guerras em seu planeta, exatamente como na ocasião em que o haviam deixado, oito dias antes. Reencontraram as vilanias, a prepotência e mesquinhez. E a fome de seus semelhantes, fome de multidões, imemorial, aparentemente imbatível, mesmo para a civilização que soube fazer dois homens andarem na Lua depois de um vôo de 22.000 etapas matemáticas precisas, numa máquina com 9 milhões de peças mecânicas perfeitas. Mas os heróis voltaram sorridentes e felizes, embora cansados. Porque haviam partido na viagem inevitável, preparada há milênios pela humanidade, por seus maiores gênios, por seus mais modestos técnicos, de Newton e Galileu a Godard e Tsiolkovski, de Von Braun e Sergei Korolyev a todos os 300.000 trabalhadores no Programa Apollo. Na Terra só não estavam comovidos aqueles que deixaram suas emoções serem substituídas por aparelhos de TV ou por um ódio implacável e total a seus semelhantes.

Eles trouxeram um estranho presente para os habitantes de seu conturbado mundo: 37 quilos de pedras. Não as pedras preciosas que os antigos desbravadores extorquiam dos indígenas em troca de quinquilharias, e sim pedras de aparência vulgar, como as das terrestres. Mais que estranho, o presente pode (numa remotíssima possibilidade) ser um objeto maligno que traz encarcerado um germe lunar contra o qual os organismos terrestres ainda não têm defesa adequada. A comunidade dos cientistas recebeu os 37 quilos de Lua com deslumbramento comparável ao das cortes européias diante das arcas de ouro e esmeraldas dos exploradores do século XVI. Em laboratórios isolados biologicamente do mundo, as pedras lunares irão alimentar ratos, plantas, moscas, algas e outros seres durante cinqüenta dias. Se não revelarem neste tempo qualquer efeito maligno, serão distribuídas a 42 cientistas, em oito países, para que nelas estudem "os segredos da evolução do sistema solar e do mundo".

A ciência ficou feliz com as pedras, mas os mortais comuns aplaudiram apenas os três homens que realizaram a viagem fantástica. Diante da casa dos pais de Armstrong, em Wapakoneta, Ohio, a banda de música da cidade tocou durante uma hora, enquanto toda a cidadezinha desfilava em sua homenagem. Nas cidades americanas, sinos tocaram festivos anunciando a descida da Apollo 11 no Pacífico; nas ruas, chuvas de papel picado, faixas, desfiles, toques de buzinas, sirenas de fábricas. Armstrong desceu com uma pequena infecção de ouvido, que o Dr. William Carpenter (ficará com os astronautas na quarentena) atribui a problemas normais do vôo no espaço. Nos três astronautas, segundo o médico, nenhum indício de contaminação por germes lunares. Mesmo assim, as precauções para evitar uma invasão de vida espacial foram seguidas com todos os detalhes. Saindo da cápsula, os astronautas vestiram uniformes isolantes e, de helicóptero, foram diretamente para o vagão de quarentena a bordo de porta-aviões Hornet. No começo desta semana, enclausurados no vagão com médico e dois técnicos - um dos quais é cozinheiro -, eles chegaram a Houston, onde ficarão no Laboratório de Recepção, isolados mais duas semanas.

No porta-aviões de onde assistiu à descida dos astronautas, o Presidente Richard Nixon - emocionado e saboreando uma vitória preparada por Johnson e Kennedy há oito anos - declarou que o mundo não era mais o mesmo. "Quero que vocês saibam que sou homem mais feliz do mundo, não só porque tenho a honra de ser Presidente dos Estados Unidos, mas particularmente porque falo em nome de tanta gente, ao receber vocês de volta à Terra." De certa forma, realmente o mundo não é mais o mesmo. É uma outra Lua a que Armstrong, Aldrin e Collins deixaram. E também os detritos que ele abandonou, estranho presente - restos orgânicos, bactérias de suas vestes e sua nave não esterilizada. Mais os gases de escapamento do Módulo Lunar. Tudo isso a lembrar que o próprio homem de sua pressa no caminho do progresso e de seu descaso com a poluição e a limpeza. "Se a poluição de gases na atmosfera terrestre continuar crescendo da forma atual", dizia durante o vôo da Apollo 11, o Dr. Alfred Hulstrunck, diretor de Pesquisas Atmosféricas da State University de Nova York, "é possível que a próxima geração nunca veja o Sol".

Os cientistas que agora apontam seus instrumentos para ouvir sinais e luzes de uns poucos aparelhos deixados na solidão lunar, anunciam que começou uma nova era na vida da Terra, que a humanidade agora é imortal - ela poderá sobreviver em outros mundos ao fim da Terra, previsto matematicamente pelos cientistas para daqui a alguns bilhões de anos. Mas esses sinais e luzes do céu são mudos e inexplicáveis para os mortais comuns, porque todos os que não são super-homens estão preocupados com a Terra. Os americanos recebem seus heróis desfrutando, mais do que uma vitória da humanidade, o seu triunfo político sobre o rival soviético. E os russos, atrás de amigáveis frases e mensagens de saudações, amargam a derrota num combate que apresentaram apressadamente como uma luta entre o capitalismo e o socialismo. Os astronautas retornam cansados da viagem do milênio. A Terra, também cansada, confusa e recebe suas pedras de uma forma simbólica, como se fossem as esperanças de uma nova era.


©Copyright   Texto publicado originalmente na revista Veja, no dia 30 de julho 1969, 10 dias após o primeiro pouso tripulado na Lua. Encontrei o texto no site de Ulisses Cavalcante (http://www.spacestation.hpg.ig.com.br/), no endereço http://www.spacestation.hpg.ig.com.br/conquistas/vfuturo.htm.

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