Hoje, a Lua do homem Oito vezes Armstrong repetiu a lenta e dramática dança. De costas para a paisagem da noite lunar, com as mãos seguras na escada de sua águia metálica, procurava com os pés cada degrau da histórica descida. Então veio o último lance: às 23h56 de 20 de julho de 1969, Armstrong estendeu seu pé esquerdo, apalpou cuidadosamente o chão fino e poroso, pressionou-o depois com mais força e só então deixou-se ficar de pé na Lua. O grande e grotesco vulto branco, que horas antes decidiu antecipar o primeiro passeio de um homem na Lua - deveria ser às 3h16 da manhã de 21 de julho - , emocionou-se: o astronauta Armstrong era, a partir daquele instante, Neil Armstrong, primeiro homem a pisar na Lua. Sua mão ainda se apoiou alguns instantes no Módulo já vazio de atmosfera. Depois, libertou-se totalmente e deu os primeiros passos. Na Terra, 1 bilhão e 200 milhões de pessoas, reunidas diante dos vídeos, segundo os cálculos da Nasa, ficavam fascinadas pelo duplo milagre da descida e de suas imagens. Na Lua, um homem grande e forte experimentava, naquele instante, a sensação de pesar como uma criança: 15 quilos apenas. A Terra conquistava a Lua. Noite de Terra - Armstrong, Aldrin e Collins dormiam quando, aos primeiros minutos da madrugada de sábado, a Apollo 11 atingiu o ponto de equilíbrio entre a atração da Terra e a da Lua. Aos 22 minutos, 397.172 km além da Terra e 80.653 km aquém da Lua, a nave rompeu este equilíbrio e sua velocidade subiu de 3.600 km/h para 10.270, à medida que caía no poço de atração da Lua. O sono dos astronautas durou até as primeiras horas da manhã: a viagem ia bem e não havia nada de especial a fazer. Desde que partiram, na quarta-feira, o trabalho foi tão rotineiro, que Aldrin, num dos seus raros momentos de humor, chegou a compará-lo aos "afazeres domésticos de uma dona de casa". Naquele dia, a mais taciturna equipe espacial de todos os tempos, anunciou secamente: "Ambas as astronaves estão bem". Apesar disso, Collins havia gasto mais combustível do que o previsto na manobra de engate do Módulo Lunar (Águia), retirado da carcaça do terceiro estágio do Saturno 5 pela nave (Columbia) - 9 quilos exatamente -, e o Controle de Vôo, em Houston, teve que mandar uma mensagem tranqüilizando-o. Uma primeira tentativa de transmissão por TV fracassou neste dia, porque a Apollo 11 estava ainda muito baixa no horizonte. No dia seguinte, porém, eles mandaram um imprevisto programa a cores de dezesseis minutos e depois Aldrin mostrou aos terráqueos como se usava o saco plástico contendo comida. Também pela TV mostraram a inspeção feita na Águia, quando Neil Armstrong se referiu à falta de gravidade: "Parece estão arrancando as minhas calças". Um defeito no gás de nitrogênio, que abria a válvula de combustível do foguete destinado a impulsionar a Águia do lunar, foi consertado. À medida que aproximavam da Lua, na manhã de sábado, os olhos dos três astronautas se abriam para uma paisagem que, primeira vez, os comovia: "O céu está cheio de estrelas. Parece uma noite na Terra", disse Armstrong. Envolvendo a Lua - Às 14h22 do sábado, a Apollo 11 aproximou-se da Lua. Dez minutos antes de mergulharem em suas sombras, a Terra dera a ordem para que ligassem o foguete que colocaria a nave em três longas órbitas cada vez menos ovalizadas, mas durante 34 angustiantes minutos a Terra não recebeu nenhum sinal de vida a bordo. Quando a nave saiu do lado obscuro da Lua, onde as comunicações são impossíveis, a Terra começou a ver o que os astronautas viviam. Flutuando entre 314 km e 113 km da superfície lunar, Armstrong transmitiu: "As fotos tiradas precisamente deram uma boa idéia do lugar. Mas nada substitui o fato de estarmos aqui. É a mesma diferença entre ver um jogo de futebol pela TV e vê-lo no estádio". Os astronautas estavam saindo de um dos momentos cruciais da viagem. Se percebessem alguma irregularidade, o foguete não seria ligado e a Apollo 11 regressaria. Agora, porém, a voz de Armstrong está clara e firme: "Estamos vendo um efeito tridimensional muito acentuado. A coroa solar aparece em todo o seu apogeu por trás da Lua". Eles relataram ter visto luzes misteriosas numa região em que os cientistas acreditam existir vulcões ativos. A princípio, a única cor distinguida foi um cinza compacto e sempre igual. Depois descobriram tons queimados. Às 18h37, a Apollo 11 dava novo mergulho na face oculta da Lua ao mesmo tempo que a órbita baixava para 99 km e 120 km. Os astronautas foram dormir mais cedo, depois do jantar, porque precisavam acordar às 6h02 do domingo. Às 10h20, depois do café matinal e de uma nova inspeção nos instrumentos, Aldrin entrou no túnel que liga a Columbia à Águia. Armstrong entrou logo depois. Os veículos estavam a 3.360km por hora, com o motor sempre voltado para a Lua: é uma técnica para impedir o aumento da velocidade. Às 14h47, Collins apertou um botão do painel de comando da Columbia e a Águia desprendeu-se lentamente da nave-mãe: estava rompido o último cordão de ligação com a Terra. A Águia começou então sua lenta e delicada curva elíptica em direção à superfície lunar. Acima dela, a bordo da Columbia, Collins começava uma série de solitárias voltas em torno do satélite. Numa voz pausada e firme - a voz de um agente da bolsa dando as cotações -, os dois primeiros homens a pisarem na Lua davam informações sobre a descida. Diante deles, uma imensa nuvem de poeira provocada pelos motores da Águia impedia a visão. Os homens falam da Lua - "Luzes de altitude apagadas, o chão está à nossa frente", falou então Armstrong. "Parece magnífico, Águia, parece magnífico, pode alunar", foi a resposta de Houston. "Compreendido, autorizada a alunagem, 1.000 metros, 800 metros... bem, parece que agüenta." "Temos bons dados, parecem magníficos aos oito minutos, Águia, parecem magníficos, adiante!" "164 metros... 121 ... baixando muito bem... 60 metros... 30, tudo continua parecendo bem. Inclinando-se um pouco à direita. Está bem. Motores apagados." "Aqui, a Base da Tranqüilidade. Águia alunou." Às 5 e 18 da tarde, a voz de Neil Armstrong - seu coração batia 150 vezes por minuto - atravessava o vácuo e chegava à Terra anunciando o fim do dramático diálogo dos 22 segundos da descida. "É fantástico", disse Collins, voando a 92 quilômetros de altura. Os minutos seguintes foram de profundo silêncio. Os astronautas examinavam cuidadosamente seu veículo para um eventual regresso de emergência. Minutos depois - a nave pousou sem qualquer avaria e quase na horizontal - justificavam o desprezível atraso de 35 segundos em relação ao tempo previsto para a alunagem, com uma fantástica descrição: "Avistamos crateras escarpadas e enorme número de rochas. E pousamos um pouco adiante". No interior da águia metálica, Armstrong e Aldrin olhavam para a paisagem agreste: uma superfície quase lisa, com milhares de minúsculas crateras e limitada por desfiladeiros e colinas. A apenas 2,4 km de distância, o horizonte lunar mostrava um Sol que se punha e, no solo estranho, a cor oscilava entre o branco e o cinza. Em Houston, Texas, um jornalista hindu interrompeu seu trabalho, ajoelhou-se no chão e beijou a velha Terra. Antecipava-se ao pedido feito momentos depois por Edwin Aldrin, piloto do Módulo Lunar: "Quero aproveitar esta oportunidade para pedir, a todos e a cada um dos que me escutam, que se detenham durante um momento para meditar sobre os acontecimentos das últimas horas e dêem graças à sua maneira". ©Copyright Texto publicado originalmente na revista Veja, no dia 23 de julho 1969, 3 dias após o primeiro pouso tripulado na Lua. Encontrei o texto no site de Ulisses Cavalcante (http://www.spacestation.hpg.ig.com.br/), no endereço http://www.spacestation.hpg.ig.com.br/conquistas/vespecialhoje.htm. ZAMORIM :: Textos :: http://zamorim.com/textos/lua2.html |