Eu não sou incapaz. Você é?

Inaê Elias Magno da Silva
inae.magno@uol.com.br

Quarta-feira, 19 de março de 2003, 22:00hs. Muitos de nós ainda víamos o jogo entre Vasco e Fluminense quando as tropas norte-americanas invadiram o Iraque e iniciaram bombardeio à cidade de Bagdá. O mundo parou chocado para assistir (como a um filme) mais uma guerra que se inicia. Um mundo chocado, indignado, porém passivo, repleto de espectadores inertes diante de uma guerra que cada qual rejeita, mas não se sente capaz de impedir.

Por que o mundo rejeita essa guerra? Em primeiro lugar, creio, por se tratar de uma guerra. Um planeta que viveu os horrores da Segunda Guerra Mundial, do holocausto a Hiroshima, não pode aceitar racionalmente que uma ofensiva militar seja a única saída viável para um conflito internacional. Em segundo lugar, entendo que o que nos faz rejeitar essa guerra é sua carência de legitimidade. Seu início, se todos se recordam, encontrava-se ligado à desculpa de que o Iraque mantinha um arsenal bélico de destruição em massa. A ONU investigou o arsenal iraquiano e nada encontrou. Mais ainda. O que encontrou foram alguns pouco mísseis de alcance superior ao permitido pelas resoluções internacionais, os quais foram prontamente destruídos pelo governo iraquiano. Mesmo sem qualquer evidência da existência de armas de destruição em massa no Iraque (ou, creio, precisamente por isso), o governo norte-americano manteve sua decisão de atacar o país.

Por que? Fala-se em uma guerra por petróleo, fala-se em problemas pessoais entre as famílias Bush e Russein, cogita-se a possibilidade de que um alvo secundário seja a desestruturação da Comunidade Econômica Européia que, como bloco econômico, poderia vir a fazer frente comercial aos EUA. Fala-se, evidentemente, na indústria bélica americana que, sendo a primeira indústria nacional, seria acelerada por esse conflito.Fala-se em muitos motivos possíveis. É preciso falar em mais um: o imperialismo!

Evidentemente, todos notaram que ao anunciar o início dos bombardeios, o presidente Bush falou em "devolver a liberdade" ao povo iraquiano. Falou em Democracia e Justiça. Falou em exterminar o "mal" e levar o "bem" ao Iraque. E disse, ainda, que sempre que o povo americano se sentir ameaçado por qualquer país, os EUA estarão dispostos a uma guerra, porque a segurança do povo norte-americano é o que importa ao seu governo.

Quem viu um dos césares romanos encarnado em George Bush naquele momento não viu demais. As semelhanças não são coincidência. O projeto de sociedade norte-americana é nitidamente imperialista. Domínio econômico, político, cultural. O que damos em troca? (perguntam-se os americanos). Paz! Aceitem nosso modo de ser, pensar, comercializar e dominar o mundo e nós, seus imperadores, poupamos-lhes de uma guerra.

Não há nada de novo nessa fórmula de arrogância, prepotência, e desrespeito à autonomia econômica, política e cultural de outros povos. Aliás, a história da humanidade encontra-se repleta de exemplos como esse. Repleta de povos que se julgam superiores aos demais e fundamentam-se em uma supremacia militar a fim de subjugar outros povos. Falo em povos e não em governos, porque o imperialismo norte-americano vem de baixo para cima. Aproximadamente 75% da população dos EUA apóiam as ações de seu presidente. Uma maioria inconteste que mostra ao mundo sua auto-imagem de superioridade – e, evidentemente também, sua disposição em serem "juízes da humanidade", aqueles que nos salvam da guerra (se deixarmos pacificamente de ser bárbaros) ou da barbárie (por meio da guerra).

Que os norte-americanos pensem assim, paciência. E nós, por que aceitamos? Por que cada um de nós admite passivamente, como se não tivesse qualquer escolha, a dominação dos EUA? Por que nos indignamos com a guerra, mas nada fazemos a respeito a não ser falar que nos indignamos? Saibamos que nosso comportamento pode ser uma importante vitrine da nossa auto-imagem. Será que nos julgamos inferiores a eles, como eles próprios pressupõem? Será que acreditamos sermos incapazes de alguma ação – ao menos simbólica, mas incisiva – que demonstre que rejeitamos seu modelo de sociedade e de mundo? Ou simplesmente não sabemos o que fazer? Esperamos – como, aliás, é costume entre nós – uma ordem vinda de cima, uma campanha, um movimento organizado, algo no interior do qual possamos nos encaixar sem que tenhamos que nos sacrificar muito por isso? Aliás, você sabe o quanto você é capaz de se sacrificar para dizer "não" a algo com o qual você realmente não concorda?

Vejamos. O império americano (vamos apelidá-lo assim), fortemente militarizado, pode ser "comunicado" sobre nosso descontentamento por meios econômicos. Quando os números de venda de alguns produtos-símbolo do domínio cultural norte-americano começarem a despencar, eles saberão qual o motivo e nós teremos dado nosso recado. Isso não colocará fim à guerra, evidentemente, mas servirá para que ouçam nossa voz dizendo: "não queremos isso para nós!". Falo, é óbvio, em boicote. Mas em um boicote que possa atingir símbolos comerciais americanos. Há muitos. Sugiro aqui quatro deles: Coca-cola, McDonald´s, Nike e o cinema de Hollywwod.

Se você é mesmo contrário à invasão norte-americana no Iraque, você seria capaz de boicotar por toda a duração da guerra, esses quatro produtos ou ao menos um deles? Você seria capaz de deixar de lado a Coca-cola e comprar, por exemplo, o guaraná Antártica? Seria capaz de dizer "não" ao seu filho quando esse – dominado desde pequeno pelo império cultural americano – implorasse por um Mc Lanche Feliz? Mudaria de idéia ao comprar um tênis e deixaria de lado aquele modelo exclusivo da Nike com o qual você tanto sonhou? E, por fim – o mais difícil, talvez, mas o boicote mais importante, porque é aquele que mostra que rejeitamos a lavagem cerebral de Hollywood e sua divisão do mundo em "bem" X "mal", "herói" (sempre o americano de boa índole: o militar, o policial, o herói de ficção, o presidente dos EUA) X "inimigo" (formigas intergaláticas, mexicanos, brasileiros, russos, koreanos, muçulmanos, mafiosos de todas as nacionalidades ou algum americano que viveu fora dos EUA e tornou-se mal) - você trocaria o cinema do final de semana por algum outro programa, ou deixaria de ir assistir o último lançamento de Hollywood para assistir, por exemplo, um filme brasileiro ou um filme indiano?

Se sim, comece já. Há milhares de pessoas que não se enxergam como incapazes, não admitem serem tratadas como inferiores e, por isso, estão dizendo "não" de forma racional e enfática aos americanos e sua guerra. Pessoas que, conscientemente, estão trocando os produtos americanos por marcas de outra nacionalidade. Pessoas que estão em processo de "desintoxicação" do massacre cultural norte-americano. Pessoas que admitem um pequeno sacrifício pessoal em nome de uma grande causa: o respeito aos povos e sua autonomia cultural, econômica e política.

Mas se você não é capaz de participar de um boicote como esses, quais são os seus motivos? Por acaso você se julga uma pessoa fraca e incapaz a ponto de não conseguir resistir a uma latinha de refrigerante ou a uma sessão de cinema? Ou você não acha que a causa é justa, afinal, não são os seus filhos que estão sendo bombardeados aqui no Brasil, mas sim os filhos de outras pessoas e assim mesmo lá no Iraque? Por que se preocupar? Por que se sacrificar? Será que é isso o que você pensa?

Creio que é importante que você pare um minuto para descobrir qual a imagem que você tem de si próprio, do seu povo, do seu país. Pense a seu respeito, porque é disso que se trata a opção entre gritar ou silenciar. Não se trata do resto do mundo, trata-se apenas de você, daquilo que você acha que é capaz, daquilo que você quer e em que.

Eu sei que sou capaz! E você, o sabe de si? Pense a respeito, o mundo agradece.



©Copyright   Este texto foi escrito por Inaê Elias Magno da Silva (inae.magno@uol.com.br) e me enviado no dia 20/03/2003, dia seguinte aos primeiros bombardeios do Iraque pelas tropas imperiais estadunidenses. A partir de hoje estou deixando de consumir os produtos imperiais, incluindo a hospedagem deste site, que será transferida para servidores brasileiros o mais rápido possível.

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